ABANDONADAS – a tela favorita de José Relvas
Joaquim Moedas Duarte
Quem
visitar a Casa dos Patudos - Museu de Alpiarça - que foi residência do grande
republicano e homem de cultura José Relvas[1], por este doada à Câmara
Municipal daquela vila - verá numa das paredes do escritório um quadro a óleo
sobre tela intitulado Abandonadas
(1670 X 1775 mm), da autoria de Constantino Fernandes. Era o quadro favorito de
José Relvas que o queria perto de si, no gabinete de trabalho que ainda hoje se
conserva com os objectos de uso e o calendário de cartões em caixa de mogno e
enfeites de prata, imobilizado no dia da sua morte: Outubro, Quinta-feira, 31
(1929).
José
Relvas foi um grande proprietário agrícola que soube gerir com eficácia e
proveito um bom núcleo de terras de vinha e olival. Desgostoso com a inépcia
governativa monárquica, assumiu o risco da oposição política indo ao ponto de
se envolver na preparação e realização da revolução republicana. Foi ele quem
proclamou a República na varanda do Município de Lisboa, na manhã de 5 de
Outubro de 1910.
Formado
no Curso Superior de Letras de Lisboa, não descurou a formação prática em
economia e finanças, tão necessária à gestão dos bens e, mais tarde, às
responsabilidades de Ministro das Finanças do primeiro Governo republicano,
tendo sido ele o criador da nova moeda, o escudo
que substituiu o real. Porém, outra
faceta da personalidade fascinante deste homem era a sua cultura artística.
Exímio executante musical – tocava violino – viajou pela Europa e tornou-se um
apreciador de arte de elevado critério, o que o levou a adquirir para a sua
residência solarenga de Alpiarça um notabilíssimo acervo de peças de arte
portuguesa e estrangeira que engloba pintura, escultura, tapeçaria, louças,
mobiliário e azulejaria e que constitui o miolo do Museu que podemos visitar.
José Relvas foi um homem preocupado com o bem público e com a justiça social,
como bem mostra o seu testamento. Tendo visto morrer os seus três filhos, legou
todos os bens – Casa e rendimentos de proprietário agrícola – à Câmara
Municipal de Alpiarça, para que fosse construído um Asilo para os alpiarcenses
pobres, o que veio a ser feito: ele lá está, do outro lado da estrada, frente à
Casa-Museu.
O
breve retrato do grande republicano era necessário para melhor entendermos o
significado do quadro Abandonadas,[2] de Constantino Fernandes.
A temática social que nele se adivinha era bem cara a José Relvas. Em primeiro
plano, duas mulheres e um rapazito deslocam-se da direita para a esquerda,
vindos de algum sítio que os repele. Não sabemos que sítio seja. Podemos,
também, supor que se afastam de alguém de quem receberam ordem de expulsão. O
que nos impressiona é o rosto destas personagens em que se expressa uma
dignidade ferida, uma resignação mansa e fatalista, visível sobretudo na mulher
do xaile amarelo e na criança. Nesta, a expressividade é avassaladora: não lhe
vemos os olhos nem a boca, o rosto está numa posição abaixo do nosso olhar, mas
a inclinação da cabeça e a mãozita que aconchega a gola do casaco revelam um enorme
desamparo e uma infinita tristeza. A mulher do xaile amarelo traz uma criança
ao colo, presença sugerida pelos folhos brancos e pelo volume dos braços que
fazem berço. Mas ela não se fixa na criança. No seu rosto sério, os olhos
perdem-se numa lonjura que vai muito para além do chão para onde parecem olhar.
Na sua expressão está contida uma história de vida, um passado que não se
adivinha risonho, mágoas acumuladas. É como se olhasse para um abismo que, de
tão conhecido, já não a assusta. O mesmo abismo, aberto no chão, onde se parece
fixar o olhar da criança.
A
personagem do meio tem uma atitude diferente. Olha para trás, num derradeiro
olhar em que se despede de alguém ou de um lugar. Não há rancor nem ameaça nos
seus olhos, antes uma doçura e uma serenidade de quem aceita o inevitável. Mas
a boca cerrada denota decisão, vontade de resistir à ameaça. As mãos estão
ocultas debaixo da manta que lhe pende dos ombros. Talvez a mão esquerda se
encoste ao ombro do rapazinho que, ao senti-la, aproxima a sua própria mão,
como se respondesse num gesto silencioso.
Que
mundo é o destas mulheres? Pelas roupas, depreendemos que será tempo de frio, o
que sublinha o desconforto da cena, a juntar à terra do chão e às poças de
água. A paisagem que as envolve é de uma zona fabril, com chaminés altas que
expelem fumo e casario de área habitacional pobre. As colinas do fundo
parecem-nos familiares, lembram a Serra de Monsanto, o que nos permite
conjecturar que a cena se passa na zona de Alcântara onde, no início do século
XX, se concentravam algumas fábricas.
O
quadro foi pintado em 1909 por Constantino Fernandes. O título – Abandonadas – parece confirmar a nossa
leitura: o quadro representa mulheres do povo anónimo num momento de desamparo.
Temos a tentação de imaginar histórias: terão ido pedir trabalho e receberam
uma má resposta? Foram expulsas de casa por um homem alcoolizado? Foram
despejadas do casebre por um senhorio implacável? Mas logo percebemos que
qualquer leitura concreta só empobrece o quadro.
Porque
o que lhe dá força é o seu enorme poder sugestivo, sem referências explícitas.
O título genérico e toda a composição concentram uma ideia essencial: o
sofrimento de duas mulheres abandonadas, num tempo em que a condição feminina
das mulheres do povo era muitas vezes intolerável.
Constantino
Fernandes (1878 – 1920) insere-se na grande corrente artística do naturalismo /
realismo [3], optando por temas de
carácter social, pela representação rigorosa do corpo humano[4] ou pelo retrato. São
características do seu estilo o rigor do desenho e a utilização de uma paleta
elementar da qual tira todo o partido possível. As figuras surgem à boca da
tela em enquadramento que mais tarde, em linguagem cinematográfica, se designou
por “plano americano”- figuras humanas a 2/3, com corte por cima do joelho, o que
permite uma maior aproximação do olhar de quem observa e sublinha a expressão
dramática dos rostos e do movimento das figuras representadas. A tela
“Abandonadas” é um exemplo brilhante da qualidade artística de C. Fernandes,
reconhecida desde o momento da sua criação, quando o autor, bolseiro
(“pensionista do Estado, como então se chamava) em Paris, foi distinguido com
uma “primeira medalha” em 1909.
[1]
Sobre José Relvas:
José Raimundo Noras – José Relvas (1858-1929), Fotobiografia.
Leiria: Edição Imagens & Letras, 2009.
Catálogo da exposição José Relvas, o conspirador contemplativo.
Lisboa: Divisão de Edições da Assembleia da República, 2008.
[2]
Não é consensual o título do quadro. Nas obras referidas na nota 1 o quadro é
designado por “As abandonadas”. José Augusto França, in: A arte em Portugal no século XIX (Lisboa, Livraria Bertrand, 1967)
designa-o sem o artigo definido. Carlos Augusto Lyster Franco, que foi
contemporâneo de Constantino Fernandes e com ele privou, também designa o
quadro como “Abandonadas” no opúsculo “O pintor Constantino Fernandes”,
separata do «Correio do Sul», Faro, 1950. (reproduzido in: Ana Rita Carvalho
Afonso - A obra gráfica de Carlos Augusto
Lyster Franco, Dissertação de Mestrado, vol.II.[Em linha] Faculdade de
Belas Artes, Universidade de Lisboa, 2008. [Última cons. Em 29 de Abril de
2014]. Disponível em: http://hdl.handle.net/10451/7783
)
[3]
Do ponto de vista da pintura, ao contrário do que se passa na Literatura, naturalismo e realismo são dois conceitos que facilmente se confundem. Não cabe
aqui tentar a destrinça que remete para considerações teóricas ligadas à
Estética.
[4]
Cf. Alberto Cláudio Rodrigues Faria – A
colecção de desenho antigo da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa ( 1830- 1935):
tradição, formação e gosto. Dissertação de Mestrado em Museologia e
Museografia, vol. III, p. 135 [Em linha] Faculdade de Belas Artes da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2008.[Última cons. Em 29 Abril 2014].
Disponível em:
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A Jarra Beethoven, na Casa - Museu dos Patudos, em Alpiarça
Ver artigo:
http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF20/m_malta_20.pdf
Ver também o texto de João Bonifácio Serra:
Nota (breve) sobre Bordalo, a Jarra e Beethoven
João B. Serra (Professor da Escola Superior de
Artes e Design das Caldas da Rainha.)
Em 1895, acedendo a uma encomenda de
José Relvas, proprietário ribatejano com vastas relações na elite da cultura,
Rafael Bordalo Pinheiro iniciou a concepção de uma peça de cerâmica dedicada a
Beethoven. Os trabalhos de elaboração dessa peça – uma jarra de grandes
proporções – foram complexos e demorados. Absorveram a atenção e o empenho de
Bordalo e mobilizaram as capacidades dos melhores ceramistas que ainda o
acompanhavam no seu atelier da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. No seu
“Livro de Empreitadas”, um desses operários, Avelino Soares Belo, deixou um
rasto manuscrito dos passos dessa aventura por todos seguida com indisfarçada
ansiedade. O próprio Bordalo registou num “Caderno de Notas” transcrito pela
primeira directora do Museu que tem o seu nome em Lisboa, Julieta Ferrão, o
andamento atribulado da operação. Encarada como uma extravagância bordaliana,
uma provocação de génio aos condicionamentos do processo cerâmico, a Jarra
Beethoven pode talvez ser tomada como uma tentativa de esconjurar a maldição
duma empresa que falhara sucessivamente os projectos industriais que presidiram
à sua criação. Certo é que a maldição se abateu cedo sobre a própria jarra. Das
peripécias que rodearam a sua abertura na roda de oleiro, secagem e cozedura,
até à constatação de que era inadequada para o local a que o cliente. de
Bordalo a destinava, tudo se conjugou para trocar as voltas ao destino desta
peça singular.
Rejeitada por Relvas, a jarra
deambulou, ao longo dos anos 1898 e 1899 entre Caldas e Lisboa (exposição no
foyer do Teatro D. Amélia), e entre Lisboa e Rio de Janeiro, sempre em busca de
um comprador que lhe fizesse jus. O aplauso da imprensa, ecoando porventura a
curiosidade popular, escondeu mal as reservas da crítica. Ramalho Ortigão, por
exemplo, sempre pronto a glorificar Bordalo, deixou escapar em família um juízo
desfavorável: “bela peça para concurso” mas “obra defeituosa”.
Leiloada no Brasil, no Verão de 1899,
depois de mais uma vez ter ficado sem comprador, acabou por, ironicamente, sair
a um número que integrava um lote de rifas previamente recusadas. Oferecida,
enfim, por Bordalo a um mecenas brasileiro, foi por este entregue em doação ao Presidente
da República que a destinou à sala de música do Palácio do Catete, onde
temporariamente permaneceu. Celebrada como um prodígio, a jarra Beethoven
arrastou a sua incrível dimensão (280 cm de altura) e a sua incontida profusão
de elementos decorativos como outros tantos factores dissuasórios de um desejo
de compra. Devemos então procurar descortinar os motivos que levaram Bordalo a
deitar ombros a tal “excesso”. Ramalho que também se colocou essa interrogação
em 1898 achou plausível que “uma tão gigantesca coisa” tivesse sido “feita
unicamente no intuito pouco poético e extra-artístico de entupir de admiração
os basbaques” .
Justificava-se um gesto de tamanha
teatralidade? Sim. Não tanto pela necessidade de afirmação pessoal do autor,
então com um curriculum sólido de uma dúzia de anos de renovação da cerâmica
portuguesa, mas sobretudo como chamada de atenção para a situação da empresa
que via definhar a sua carteira de encomendas. Sousa Viterbo deixou-nos a esse propósito,
uma informação clara no Diário de
Notícias de 26 de Outubro de 1898: “Mal pensaríamos nós, ao contemplar a
admirável Jarra Beethoven, que aquele seria o derradeiro canto do cisne do
poeta da cerâmica. Efectivamente, não parece haver a menor dúvida a este
respeito. Temos presente uma carta de Bordalo Pinheiro em que ele nos comunica,
doloridamente, a resolução de fechar a sua fábrica, o seu home, o seu lar, a
sua ambição, a sua felicidade” . Na mescla de sentimentos contraditórios que a
jarra inspirou – espanto e admiração perante a ousadia do artista mas recusa
geral em trazer a obra para um convívio partilhado – adivinha-se uma alegoria
do destino da unidade cerâmica onde fora produzida. Bordalo quis que assim
fosse – uma obra extraordinária que ninguém adquirisse – e provavelmente
concebeu-a como uma “peça final”. Com intuito semelhante, anos antes, cometera
um projecto equiparável: a Talha Manuelina, ou Talha dos Operários, cuja venda
estava indexada ao pagamento de salários em falta. A Jarra Beethoven não mais
foi vista em Portugal. Raros foram os portugueses que a puderam observar e que
do facto deram notícia até hoje. Hoje, certamente a precisar de restauro, depois das mutilações a que foi
sujeita, permanece prisioneira da sua maldição, num discreto recanto do Museu
das Belas Artes do Rio de Janeiro.
Conhecendo os esforços recentemente
efectuados lhe devolver a sua própria história – que suponho ainda não coroados
de êxito – gostaria de deixar aqui um modesto contributo para lhe emprestar um
“novo” destino. Remeto para a história de Ludwig Van Beethoven. Nascido em Bona
em 1770, Beethoven contactou desde o berço com a música, para a qual cedo
revelou um talento de excepção. Reconhecendo a necessidade de lhe proporcionar
o contacto com grandes mestres, o seu protector enviou-o a Viena de Áustria em
1792. Nos três anos seguintes recebeu aulas dos mestres vienenses Haydn,
Albrechtsberger e Salieri. Em 1794 compôs a sua primeira obra original,
celebrada como um trabalho muito promissor. Em 1798, o príncipe Lobkowitz
encomendou-lhe 6 quartetos para cordas. Era uma encomenda prestigiosa mas
exigente. Mozart e Haydn tinham elevado o género a grande projecção. Lobkowitz,
na altura em que desafiou Beethoven dirigiu encomenda idêntica ao velho mestre
Haydn. O jovem músico aplicou-se com determinação durante os dois anos
seguintes na composição dos quartetos, cuja edição, em 1801, significaria
simplesmente o triunfo. O último quarteto a ser concluído terá sido o 4º,
provavelmente de um só jacto, pois nunca foi encontrado o respectivo estudo
prévio. A peça foi recebida com enorme entusiasmo, consagrando definitivamente
o seu autor. Diz-se que Beethoven
confidenciou na altura: “É uma merda, mas está bem para este público de merda”.
Foi esta a peça musical – para dois
violinos, violoncelo e violão – que Rafael Bordalo Pinheiro escolheu para
assinalar, 100 anos decorridos sobre a sua criação, a Jarra com que impressionou
o mundo jornalístico da sua época. O jovem Beethoven triunfante, vergando o
público de Viena que a si próprio se considerava como o mais difícil, serviu de
mote a um Bordalo que julgava ter chegado ao fim de um atribulado percurso
cerâmico e que pretendeu assinalar esse final com uma obra que para sempre
testemunhasse o seu inconformismo de criador.
NOTAS
1. Artigo publicado em Suplemento
especial da Gazeta das Caldas,
dedicado a Rafael Bordalo Pinheiro, Janeiro de 2007.
2 “A jarra de Bordalo é inteiramente
uma bela peça para concurso de cerâmica porque não há dificuldade que nela não
se ache resolvida. Como composição decorativa, no ponto de vista absolutamente
estético, é obra muito defeituosa, excessiva, complicada, destituída
absolutamente das condições fundamentais de uma obra de arte, que são a
ponderação, a harmonia e a lógica de conjunto”. (Ramalho Ortigão, Cartas a
Emília, introdução., selecção, fixação do texto, comentários e notas por
Beatriz Berrini, Lisboa, Lisóptima/Biblioteca Nacional, 1993)
3. Sousa Viterbo, Cem artigos de
Jornal. Lisboa, Diário de Notícias, 1912
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Crónicas do Outeiro:
Histórias das ideias republicanas na vila de Alpiarça
Nuno Prates
Conservador da Casa dos Patudos – Museu de Alpiarça
A história das ideias
republicanas na Vila de Alpiarça daria, por si só, uma outra. Assumindo as
defesas da causa republicana em todo o Ribatejo, foi palco, nos últimos anos da
Monarquia, de vários comícios contra a ditadura franquista.
O sair de uma crise, de uma
cíclica miséria que, à época, imperava em Portugal era o objectivo que movia os
portugueses e os alpiarcenses. Estes, afectados por uma crise vinícola, com um
excesso de produção de vinho, em resultado do grande plantio após o combate da
«Filoxera», doença que, no século XIX, arrasou as vinhas ribatejanas.
Devido à grande produção, o vinho
tinha preços muito baixos e era pedido, por parte dos agricultores, que fosse
comercializado a preços mais elevados, medida que a Monarquia não consegue
resolver.
Em toda a região, o trabalho
escasseava, os salários eram baixos, havia fome e pobreza e, tanto para os
lavradores como para os trabalhadores, a República era sinónimo de melhores
dias e a solução de todos os problemas populares.
O grito de desespero lançado à
Monarquia, com a finalidade de comercializar o vinho a preços dignos não foi
ouvido e, em 1907, o apelo de guerra pela República parte de Alpiarça e depressa
chega a várias povoações rurais.
Quando João Franco pretende impor
ao país a sua política económica e reaccionária, vários cidadãos de Alpiarça
fazem-lhe frente, e assiste-se a uma grande resistência pelos campos da
Estremadura.
Em 1907, aquando da jornada
republicana pelo Ribatejo, é em Alpiarça, a 13 de Junho, que se dá uma das
maiores recepções feitas aos republicanos: João Chagas, Alexandre Braga,
António José de Almeida, Bernardino Machado e João Menezes. A recepção foi
organizada por Joaquim Romão, médico e pessoa estimada por todos. O entusiasmo
é enorme: homens, mulheres e crianças esperam os republicanos, dão-se vivas à
República. Da varanda da casa de José Malhou, este e António José de Almeida
falaram. Depois deste comício, em Alpiarça, a adesão ao partido republicano
rondava quase os 100%, o que se provou nas eleições. No dia 9 de Fevereiro de
1908, o povo de Alpiarça aprova uma moção contra o governo de João Franco e
recebe a visita de João Chagas. Na entrada da Quinta dos Patudos, surge uma
manifestação a apoiar a sua causa. À passagem de José Relvas, João Chagas e
Luíz Morotte, o povo reunido «exige» um comício de improviso.
Perante o discurso de Joaquim
Romão, José Malhou, José Relvas, José Montez e João Chagas, o povo aclama e
aplaude com entusiasmo. Em Alpiarça, o partido republicano, representado por
João Chagas, obteve 580 votos, contra os 12 votos do partido monárquico,
alcançando, assim, um dos melhores resultados no distrito, uma vez que, no
total, obteve 5070 contra os 32 000 votos obtidos pelo partido monárquico.
Antes de 5 de Outubro de 1910,
João Chagas volta a Alpiarça para participar numa conferência que se realizou
no antigo teatro, existente na actual Rua Dr. Duarte Governo. O publicista,
acompanhado por José Relvas, Ricardo Durão, Dr. Costa, Guedes de Amorim e José
Malhou, discursou perante uma plateia entusiasta que muito o aplaudiu.
Depois de tanta luta, uma questão
emerge: O que ganhou Alpiarça com o regime republicano? Muito. Foi um dos
concelhos da República e viu a anexação da freguesia de Vale de Cavalos,
durante este período; velha aspiração do povo de Alpiarça. José Relvas, como
parlamentar, defende e assiste a esta anexação, tal como assistiu à sua
desanexação e consequente integração no Concelho da Chamusca.
Alpiarça chegou mesmo a ser
considerado o concelho rural mais republicano do país. É, decerto, uma Vila com
história dentro da História em que o povo escreveu, escreve e continuará a
escrever as suas mais belas páginas.
O Concelho de Alpiarça, concelho
da república, foi criado pela Lei n.º 129, de 2 de Abril de 1914, cuja data se
comemora com Feriado Municipal.
Da parte administrativa de
Alpiarça pouco se sabe. Contudo, no século XIV, há documentação que situa
Alpiarça no termo de Santarém. Relativamente à criação da freguesia, não
encontrámos documentação, apesar de, em 1747, o padre Luiz Cardoso se referir a
Alpiarça como freguesia.
Inquestionável é sim que, em
1826, Alpiarça era uma das freguesias do Concelho e Comarca de Santarém. Em
1835, foi desanexada por se situar na margem esquerda do Tejo, sendo incluída
no Julgado e Comarca da Chamusca, onde permanece até 1875, ou seja, na
província da Estremadura.
Em 1836, passa para o Concelho de
Almeirim e, à época, era a sua maior freguesia, em conjunto com outras quatro:
Almeirim, Muge, Monção de Benfica e Raposa.
Em 17 de Fevereiro de 1906, ainda
freguesia de Almeirim, Alpiarça é elevada à categoria de Vila. Recorde-se o
Diploma da Portaria Real a este propósito:
«Vistas as informações de
Governador Civil do Distrito de Santarém acerca do que me representou a Junta
da Paróquia da Freguesia de Alpiarça, do Concelho de Almeirim, e querendo dar a
esta, por tal motivo e outras circunstâncias atendíveis, um testemunho de
consideração: hei por bem fazer à mesma freguesia a mercê de a levar à
categoria de vila de Alpiarça e me apraz que nesta qualidade, goze de todos as
prerrogativas, liberdades e franquezas que directamente lhe pertencem;
expedindo-se a competente carta em dois exemplares, um para título da referida
junta e outro para ser depositado no Real Arquivo da Torre do Tombo».
Em 2 de Abril de 1914, pela Lei
n.º 129, Alpiarça passa à categoria de Concelho, deixando assim de pertencer ao
Concelho de Almeirim.
Cabe-nos, agora, a nós, como
alpiarcenses, também dignificar a nossa terra e continuar a escrever a sua
História.
28 de Outubro de 2016
In:
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CRONOLOGIA |
JOSÉ RELVAS
1858 – Nascimento de José Relvas.
1871 – Na Golegã, início da construção da
casa-estúdio de Carlos Relvas, pai de J.
Relvas.
1880 – Depois de frequentar Direito em Coimbra,
conclui o Curso Superior de Letras
na Univ. de Lisboa.
1882 – Casa com Eugénia Antónia.
1883 – Congresso da comissão organizadora do Partido
Republicano.
Nascimento
da filha, Maria Luísa, que viria a falecer de febre tifóide em 1896.
1884 – Nascimento do filho Carlos, que viria a
suicidar-se em 1919.
1887 – Nascimento do filho João, que faleceu de febre
tifóide em 1899.
1888 – Fixa residência na Quinta dos Patudos, em
Alpiarça, que herdara da mãe.
1889 – Início do reinado de D. Carlos.
1890 – Ultimato inglês. A Portuguesa, de Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça.
1891 – Revolta republicana no Porto. Bancarrota, na
sequência da crise económica
mundial.
1900 e 1902 – Viaja pela Europa.
1903 – Rafael Bordalo Pinheiro oferece a J. Relvas um
exemplar mais pequeno da
monumental.
Jarra Beethoven. Viticultores do Ribatejo manifestam-se em Lisboa.
1905 / 1906 – Ampliação da casa dos Patudos, projecto
de Raul Lino. Actividade intensa
nas associações de viticultores. A
questão dos “adiantamentos” à Coroa.
1907 – Adere ao Partido Republicano. Dirigente das
associações de viticultores, participa
num comício em Torres Vedras. Início
da ditadura de João Franco.
1908 – Regicídio (D. Carlos e o herdeiro, Luís
Filipe), por Manuel Buiça e Alfredo
Costa, condenado por José Relvas por
ameaçar a causa republicana.
1909 – Eleito membro do novo Directório do Partido
Republicano, mandatado para
organizar uma sublevação revolucionária.
1910 – Julho: viagem diplomática, com Magalhães Lima,
a Paris e Londres. 5 de
Outubro: Implantação da República. J.
Relvas, Ministro das Finanças do
Governo Provisório.
1911 – Nova moeda: Escudo que substitui o Real.
J. Relvas embaixador em Madrid.
1914 – Criação do concelho de Alpiarça, desanexado de
Almeirim.
1919 – J. Relvas preside a um Governo da República
(27 Jan a 30 Mar). Retira-se para a
Casa dos Patudos. Suicídio do filho Carlos.
1928 – Testamento dos bens à Câmara de Alpiarça, para
que se crie um Lar de apoio a
idosos. Usufruto dos bens a sua mulher,
enquanto ela viver (1951).
1929 – Morre a 31 de Outubro, em Alpiarça, onde
repousa no jazigo da família.
1960 – Abertura ao público da Quinta dos Patudos como
espaço museológico e memória
de J. Relvas.
(Organizado por JMD)
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RUPTURA E COSMOPOLITISMO NA ARTE PORTUGUESA
DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Joaquim Moedas Duarte
Nos alvores do século XX português um pequeno mas aguerrido grupo de
artistas instala a inquietação e a desordem no sossegado ambiente cultural de
Lisboa e Porto e faz da arte um campo de confronto e ruptura. Portugal era um
país rural com cerca de 75% de analfabetos, precários meios de
comunicação e incipientes sectores secundário e terciário. O rei D. Carlos
pintava marinhas que uma corte ignorante muito admirava, o teatro S. Carlos
encenava óperas para um sonolento público de burgueses, os poucos jornais e
revistas publicavam folhetins convencionais e poemas de amor às pálidas Lísias
e Amarildas. Lisboa cabia toda no Largo do Loreto que Eça sarcasticamente
descreve na última página do Crime do Padre Amaro, “esta paz, esta
prosperidade, este contentamento… Meus senhores, não admira realmente que
sejamos a inveja da Europa!”
Este mundinho pacato é inundado pelo caudaloso rio de uns tantos artistas
rebeldes: Santa-Rita, Amadeo de Souza-Cardoso, Cristiano Cruz, Fernando Pessoa,
Eduardo Viana, Abel Manta, Benanrdo Marques, Mário Eloy, Almada Negreiros… São
uma minoria, decerto, como já o haviam sido os temerários revolucionários da
Rotunda que derrubaram a Monarquia. Suficientes, no entanto, para abalarem os
alicerces da velha sociedade portuguesa, beata, tradicionalista e estranha aos
grandes ventos que varriam a Europa.
Esta elite de artistas revolucionários era a mais recente vaga de estrangeirados que,
desde o séc. XVIII, vinha corroendo ciclicamente as grossas paredes do nosso
endémico atraso cultural. Vindos de Paris – com a excepção de F. Pessoa, de
raiz anglófila - traziam as novidades das novas tendências artísticas,
sobretudo na pintura, mas também na literatura, provocando escândalo com as
suas exposições livres e levando ao desespero os críticos de arte, viciados no
naturalismo bucólico oitocentista. Este espírito cosmopolita estava em frontal
rota de colisão com o tacanho provincianismo das elites tradicionais
portuguesas.
(Foto RTP)
O grande expoente deste espírito insubordinado e
rebelde é Almada Negreiros. Homem de múltiplas expressões, marca as artes
plásticas e a literatura com a sua iconoclastia destemida e provocadora. “Morra
o Dantas, morra, pim!” ainda hoje ecoa como a mais violenta diatribe contra o
academismo e o imobilismo na arte e no modo de estar na vida. Almada, que
marcou a primeira geração modernista com a proclamação do
espírito futurista, cuja longevidade o prolonga para a segunda
geração modernista, nos anos 20 e 30, e o leva a aceitar colaborar em
projectos do Estado Novo sob a égide de António Ferro, marcará indelevelmente o
panorama cultural português na primeira metade do século XX.
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O SILÊNCIO E O LUME
Raul Brandão
Querida: estamos sozinhos à mesa
nesta noite infinita em que a chuva cai lá fora com um ruido monótono de choro.
Estamos sós nesta noite de saudade e nunca foi maior a nossa companhia, porque
cada vez me sinto mais perto dos mortos. Rodeiam-nos, chegam-se para mim e
sentam-se ao nosso lume. São legião... Mais perto, que eu faço uma labareda que
nos aqueça a todos. A velha mesa da consoada foi-se despovoando com o tempo,
mas hoje estão aqui sentadas todas as figuras que conheço desde que me
conheço... Tu, toda branca, e que mesmo através do túmulo me transmites sonho;
tu, mais longe, mais apagada e sumida; e tu, que vens de volta, e encostas os
teus cabelos brancos aos meus cabelos brancos, para me dizeres baixinho: —
Menino!— Pois ainda me chamas menino?! — Outro acolá sorri e outro tenta
falar... Dois vivos e tantos mortos sentados à roda desta mesa que veio de meu
pai, foi de meu avô e pertenceu já a outras gerações desconhecidas, mas que
estão aqui também comigo, escutando e sorrindo, enquanto as pinhas se
transformam em flores maravilhosas e as vides que plantei se reduzem a
cinza!... Nunca estive tão acompanhado como hoje nesta ceia religiosa de
fantasmas, numa comunhão de saudade e de lágrimas, e sentindo que cada Natal
volvido mais me aproxima dos mortos. Aumenta o silêncio húmido que nos isola do
mundo... Dá-me as tuas mãos, querida, e deixa arder o lume, enquanto eu falo
baixinho diante da legião que nos escuta, acompanhado pelo ruído de lágrimas
que se ouve lá fora.
Um dia destes temos que nos
separar, e é natural que seja eu, que sou mais velho, o primeiro a partir...
Antes, porém, quero dizer-te que te devo o melhor da vida. Foste tu que me
desvendaste o amor que eu desconhecia. A bondade e a ternura, que eu desconhecia.
Não exerci talvez nenhuma influência na tua alma — tu apaziguaste-me. O amor
era em mim um simples impulso: criaste-o, e pouco a pouco essa força nas tuas
mãos se transformou em sentimento religioso.
Olha para os meus cabelos todos
brancos... Julgava que o amor ia diminuindo com o tempo — e o meu amor não
cessa de aumentar até à morte e para alem da morte. «Na ocasião em que escrevo
estas linhas — diz Alfieri nas Memórias — na idade em que já desapareceram de
todo as ilusões, sinto que a amo cada vez mais, à medida que o tempo destrói o
brilho da sua passageira beleza. Ela tornou melhor, elevou e pacificou o meu
coração — e eu ouso dizer a mesma coisa do seu, que sustento e fortifico.»
É certo: cada ano que passa é um
laço que nos prende e quanto melhor conheço a tua alma, mais me purifico ao seu
contacto. Não só fazes parte do meu ser, mas da minha consciência. Chego às
vezes a supor que tu és a minha consciência. Por isso esta separação vai ser
dolorosa, ainda que eu creia que nos tornaremos a encontrar noutro mundo
melhor. Não decerto para vivermos as horas que passamos juntos à beira do lume,
penetrados um do outro e unidos pelo silêncio, mas numa vida superior que
antevejo e numa paz mais profunda. Ainda assim tenho pena. Tenho pena das horas
monótonas que correm — do tempo que passa — da brasa que se extingue...
Foste o fio que ligou a minha
vida desordenada. Há em mim um ser desconhecido que me leva, se não estou de
sobreaviso, a acções que detesto. Uma palavra tua me detém. Tenho passado o tempo
a comentar-me e poucas almas me interessam como a minha. O que eu amo sobretudo
é o diálogo com esse ser esfarrapado. Dêem-me um buraco e papéis e condenem-me
à solidão perpétua. É-me indiferente... Isto é, um erro — e tu fizeste-mo
sentir. Sem mo dizeres — compreendi que a nossa vida é, principalmente, a vida
dos outros... Melhor: compreendi que a ternura era o melhor da vida. O resto
não vale nada. Não é por a esmola da velha do Evangelho ser dada com sacrifício
que é mais aceita no céu que o oiro do rico — é por ser dada com ternura. O
importante é a comunicação de alma para alma. A mão que aperta a nossa mão, o
olhar húmido que procura o nosso olhar, o sorriso que nos acolhe, desvendam-nos
o mundo. Às vezes é um nada que nos faz reflectir, é um momento, é uma figura
que nos entra pela porta dentro e de quem nos sentimos logo irmãos...
Ainda não há muito que passei uma
tarde no lagar, com os homens que assentavam os dornões, e achei um grande
encanto àquela lide rude. Cheirava a mosto, e o cheiro pareceu-me mais
penetrante que das outras vezes. É a quadra do ano em que caem as primeiras
chuvas. Sente-se que vem aí o desabar imenso, nas noites que não têem fim —e
aquela voz séria que nos faz reflectir. Há já um pique de frio, que sabe bem, e
os ratos e as doninhas começam a levar para os buracos as primeiras folhas
amarelecidas que caem das árvores. Tudo adivinha o Inverno. A porta da adega
comunica com a cozinha térrea da nossa pequena lavoura. Debruçada sobre o lar,
a mulher deitava um feixe de sarmentos da poda sobre as brasas, e a fogueira
lambia as paredes negras que reluzem, iluminava os potes de ferro e o berço do
filho ao lado do lume, a quem ela ia falando em-quanto fazia o caldo... Este
pequeno quadro de interior humilde — o homem que trabalha comigo na mesma
vinha, o moço que o ajuda, a mulher e o berço, fizeram cismar... Aproximo-me
cada vez mais — outro Inverno, ou a ideia da morte? — da vida de todos os dias.
Esta época do ano é a que melhor se harmoniza com a minha alma um pouco cansada
e triste — já resignada diante do fim. É agora que eu acho mais sabor à vida —
quando a sinto fugir-me. Cheira a folhas apodrecidas. As sombras mais frias, à
espera de outras sombras geladas e eternas, trespassam-me de humidade.
Anuncia-se o grande Inverno no pio das aves, na cor das folhas que se arrepiam
com a lufada do vento e caem uma a uma com um ruído tão leve como os passos da
Morte...
O sentimento da vida humilde
inspiraste-mo tu; este e outros de apaziguamento e verdade. Ligaste-me mais aos
vivos e aos mortos. Aos que estão sentados ao nosso lado nesta noite sagrada e
à legião infinita que tem sofrido no mundo, cumprindo a vida, aos desgraçados e
aos humildes, aos pobres de pedir que caminham como dantes pela estrada. A
chuva cai fora, com o ruído manso de quem se resigna e aceita a dor...
Cheguemo-nos mais para o lar, que eu faço arder uma fogueira que nos aqueça a
todos — toros de carvalho duros como ferro que dão uma luz mortiça e um calor
persistente; o pinheiro que arde, estala, flameja, numa grande labareda fugaz;
as vides que plantei e já me aquecem há dois invernos e as pinhas que gosto de
atirar uma a uma ao lume e que se transformam em maravilhosas flores de ouro,
cujas pétalas só duram um instante... Cheguem-se todos os que no mundo me deram
um bocadinho de ternura!
Tu, primeiro, de quem herdei a
sensibilidade e esta paixão pelas árvores e pela água, e de quem sinto as mãos
pousadas sobre a cabeça, trespassando-me de ternura; tu, tão velhinha, que me quiseste
como a um filho, e vós todas de quem confundo as cabeças brancas. Sinto na mão
um dedo nodoso que já não existe e a que a minha mão ainda se apega. Sinto as
mãos que toquei durante a vida. Muitas já desapareceram, mas estão aqui entre
as minhas — as mãos de meu pai, as mãos de minha mãe, as mãos pequeninas das
crianças. Não a mão material — mas as mãos espirituais. As mãos quando a gente
as aperta e as tem entre as suas dão-nos o ser inteiro pelo contacto.
Destruídas pela morte fica a ternura que nos transmitiram.
Um momento, um só momento, um
momento e lágrimas, um único momento para lhes fazer sentir também a minha
ternura, redobrada pelos anos, aumentada pela saudade, amplificada pelo
conhecimento da vida e da dor!...
Raul Brandão, in “Memórias
(Dezembro 1924)”
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A PROPÓSITO DAS MEMÓRIAS DE VITORINO NEMÉSIO
(Na Sessão 8, em 6 de Dezembro de 2017)
Margarida
Vitória Borges de Sousa Jácome Correia [N. Ponta Delgada, 31.3.1919 ? m.
Lisboa, 21.7.1996]
Era filha de
Aires Jácome Correia, marquês de Jácome Correia, e de Dona Joana Chaves Cymbron
Borges de Sousa. Senhora de grande beleza, de enorme vitalidade, e de uma
considerável fortuna familiar, relacionou-se com personalidades importantes do
meio cultural português, designadamente os escritores Armando Côrtes-Rodrigues,
com quem foi casada, Domingos Monteiro, Hernâni Cidade, Natália Correia e
Vitorino Nemésio, tendo desempenhado ao mesmo tempo um papel de relevo na
sociedade elegante portuguesa da sua época. Como empresária, foi fundadora de
uma empresa de agro-pecuária pioneira na ilha de S. Miguel, a ?Viçor?, que se
dedicava ao arroteio de terras, à criação de vitelos e à produção de rações e
de forragens para gado, e que acabaria por falir. A sua vida afectiva, de uma
grande riqueza humana, foi recheada de acidentes por vezes dramáticos, por
vezes pitorescos, frequentemente escandalosos para os padrões portugueses e
sobretudo insulares da época, mas sempre fulgurantes: casou ainda muito jovem,
contra a vontade paterna, com Albano de Oliveira Azevedo, filho de banqueiro e
gerente de uma loja de ferragens em Ponta Delgada, ainda seu parente pelo lado
materno, de quem se divorciou ao fim de dez anos ; após o divórcio, a família
forçou o seu internamento na clínica psiquiátrica de Prangins, perto de Génève,
onde Margarida Vitória conheceu um galã egípcio, Aly Abdel Fatha El Lozy, de
Damieth, com quem viria a casar e de quem teve dois filhos, acabando este
casamento igualmente em divórcio ; mais tarde, casou-se com Armando
Côrtes-Rodrigues, poeta do Orpheu e como ela natural de S. Miguel, de quem também
se divorciaria. Durante o período em que viveu no Cairo, Margarida Vitória
relacionou-se com o pintor libanês Edmond Soussa, então retratista oficial das
princesas do Egipto, com o qual esteve para casar, mais tarde, em Paris, e que
a retratou em trajos regionais micaelenses, tocando viola da terra. Foi através
de Côrtes-Rodrigues, logo após o casamento com ele, que Margarida Vitória
conheceu Vitorino Nemésio, que por ela se apaixonou, vivendo os dois uma
relação amorosa de enorme intensidade que durou até à morte de Nemésio em 20 de
Fevereiro de 1978, e que este foi registando nos poemas que viria a reunir no
livro Caderno de Caligraphia, escritos entre Março de 1973 e Maio de 1977, onde
Margarida Vitória é a sua Marga, mas também a Macaca de Fogo, a Poldra, a
Cadela, a Marquesinha, ou, como natural da ilha de S. Miguel, a Corisca ou a
Samiguela; no auge desta extraordinária história de amor, Nemésio chegou a
criar, materializando-as em cartões de visita impressos, uma «Sociedade
Ludo-Imaginária MARGANÉSIO», e uma outra, «MARGA, ilimitada», dedicada a ?pura
ficção? e a ?poesia e novela?. Encontram-se ecos desta relação na obra em que
Margarida Vitória registou as suas memórias de vida ? o polémico Amores da
cadela pura: confissões, cujo primeiro volume foi escrito com o apoio de
Vitorino Nemésio ?, sobretudo no segundo volume, concluído pouco antes da morte
da autora e que ainda se mantém inédito. Neste último livro encontram-se dados
importantes sobre as relações afectivas de Margarida Vitória num período de
decadência física e económica, tendo por fundo o conturbado ambiente político
que se viveu em Portugal na sequência do 25 de Abril de 1974, sobretudo na ilha
de S. Miguel com o movimento independentista a que de certo modo ? e
romanticamente, tal como Nemésio ou Natália ? ela esteve ligada. Faleceu em
1996, arruinada mas sempre bela e sedutora. Luiz Fagundes Duarte (2007)
Obra (1976),
Amores da cadela pura: confissões. Lisboa, Liv. Bertrand.
http://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id=2126
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Museu Municipal de Torres Vedras
Joaquim Moedas Duarte
Na
terceira década do século XX, Torres Vedras entrou na era da preservação
material da memória com a criação do seu museu municipal. Essa passagem
deveu-se a alguém que marcou a vida cultural torriense: Rafael Salinas Calado.
Concretizando uma antiga aspiração das elites torrienses, foi ele o obreiro do
Museu Municipal de Torres Vedras, cujo projecto de regulamento foi aprovado
pelo executivo camarário em 21 de Junho de 1929 [1].
O museu veio a abrir as suas portas em 1930, na sala da Irmandade dos Clérigos Pobres,
anexa à Igreja de S. Pedro. Para a recolha de peças, o fundador recorreu às
pessoas influentes da vila, caso do pároco – Padre Pio Sobreiro –, de José da
Cunha Santos Bernardes, descendente dos Morgados da Maceira, dos prestigiados
médicos Dr. Afonso Vilela e José de Bastos, bem como de Álvaro e Mário Galrão.
O executivo camarário associou-se e providenciou a cedência de peças, entre as
quais se destacava o precioso foral de D. Manuel. Ficavam assim, expostos ao
público, além daquele, variados espécimes de grande valor, constituindo od
primeiros passos da constituição do acervo do museu. Pela observação do espólio
descrito, podemos inferir que a concepção museológica subjacente a esta
primeira fase do museu municipal era a de mostrar ao público visitante alguns
objectos de arte, ou peças com significado histórico local, consideradas de
grande qualidade memorial ou artística, uma orientação ainda eivada do espírito
do século XIX. O museu era um templo de Arte e de História, um espaço
consagrado à perenidade de testemunhos materiais carregados de grande valor
simbólico, expostos e justapostos como objectos
em si e que, embora identificados, careciam de um enquadramento histórico
bem explícito.
Sublinhe-se que, no texto memorial de
Salinas Calado, que nos guia nesta visita ao passado museológico torriense, há
um pormenor significativo: é a referência à organização de um Grupo dos Amigos do Museu, cujas quotas
mensais, aliadas a um subsídio camarário, “permitiram bastantes aquisições”, o
que, “com as ofertas de particulares foi aumentando o recheio do pequeno museu,
precursor do Grande Museu que Torres um dia pode realizar”[2].
Esta interacção entre a população e o museu, em Torres Vedrasm nos anos 30 do
século passado, pode ser encarada como expressão pioneira do que, muitos anos
depois – em 2004 – a Lei-quadro dos Museus Portugueses veio a reconhecer como
um dos “Princípios da política museológica”, insertos no art.º 2º: a
participação dos cidadãos na “salvaguarda, enriquecimento e divulgação” dos
museus [3].
Entretanto, em 1944, a exiguidade do
espaço inicial impôs que o museu municipal fosse transferido para uma sala do
antigo Hospital da Misericórdia, na Rua Serpa Pinto. O aumento exponencial do
seu espólio implicou a progressiva ampliação do museu que, em 1970, já ocupava
oito salasm distribuídas pelos dois pisos, onde os espaços se organizavam de
acordo com a tipologia das peças. Já director – foi-o entre 1969 e a sua morte,
em 1992 – Leonel Trindade reorganizou o museu, dentro dos parâmetros comuns à
época, embora não praticasse os procedimentos museológicos hoje considerados
imprescindíveis a uma correcta gestão[4],
caso da inventariação sistemática de peças ou da realização de iniciativas de
promoção ou divulgação do museu. Reconheça-se, no entanto, que a sua acção foi
de elevado mérito científico no que respeita à investigação arqueológica,
actividade em que granjeou prestígio nacional e internacional. Homenageado em
vida, em 1997, o seu nome foi proposto para designar o museu municipal, o que
veio a suceder por decisão camarária.
Entretanto, em 1989, por manifesta
desadequação das instalações ocupadas, o museu já havia sido de novo
transferido, agora para o piso térreo do antigo Convento da Graça, mantendo a
exposição permanente, inaugurada em 1992, e dispondo de um novo regulamento.
Respeitava-se a ordenação cronológica e garantia-se uma orientação didáctica, a
pensar nas escolas, que passaram a contar com um serviço de apoio específico.
Já neste século o museu sofreu novas
alterações, resultantes de mudanças de uso do edifício do antigo convento, cujo
piso superior foi libertado pelo organismo de planeamento técnico autárquico –
o Gabinete de Apoio Técnico – e passou a ser utilizado como espaço de serviços
adstritos ao museu. Alterou-se, também, a orientação expositiva. O grande
núcleo arqueológico resultante do labor de Leonel Trindade e de muitos outros
investigadores, que projectara o museu como referência nessa área, foi
desmontado, dando lugar a exposições temporárias de diversa índole. É certo que
algumas retomaram o tema da arqueologia, com base nas numerosas campanhas de
escavações no Castro do Zambujal – e fizeram-no com grande qualidade – mas a
exposição permanente acabou, com prejuízo, em nosso entender, do alcance
pedagógico-didáctico, que tão útil era para as escolas.
[1] Cf.
Venerando de Matos - Vedrografias, blogue sobre história local de Torres Vedras:
http://vedrografias2.blogspot.pt/2009/06/no-80-aniversario-do-museu-municipal_21.html [Cons. 17 Julho 2016].
[2]
Rafael Salinas Calado - Torres Vedras e o seu Museu Municipal. In: Boletim da Junta de Província da Estremadura,
II Série, n.º 16, Lisboa, 1947, p. 366.
[3]
Trata-se da Lei n.º 47/2004, de 19 de Agosto.
[4]
Cf. Maria Isabel Soares de Luna – Públicos
do museu municipal Leonel Trindade: tratamento e análise de fontes
administrativas. In: Repositório do
ISCTE-IUL, DA-RL – Relatórios. Lisboa: Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa, 2009, p. 3. E também: Incorporação e desincorporação em
museus: história, realidade e perspectivas futuras [Em linha]. Lisboa:
ISCTE-IUL, 2011. Dissertação de mestrado. [Consult. 20 Julho 2015] Disponível
em http://hdl.handle.net/10071/3129.
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ALGUNS ASPECTOS DA Toponímia de Torres vEDRAS
(1ª Parte)
joÃo Flores cunha
22 Abril 2016
Ao longo do tempo foram várias as mudanças de nomenclatura que sofreram
as ruas e praças de Torres Vedras. Chegou a acontecer o mesmo nome ser dado a
diferentes espaços em épocas distintas, como, por exemplo, a rua dos Mercadores
que em finais da Idade Média se localizava, segundo Manuel Clemente, entre a
Várzea e o antigo Convento da Graça, ou seja, na parte sul da actual rua dos
Cavaleiros da Espora Dourada e que, no livro do Tombo dos Bens da Santa Casa da
Misericórdia de 1722, se situava entre o Terreirinho de Ximendes e a rua dos
Balcões – hoje, rua do Terreirinho. Também o nome ‘rua dos Polomes’, agora
fixada entre o largo dos Polomes (conhecido por largo dos Ferradores) e a
rotunda de Villenave d´Ornon, era outrora o nome da actual rua Guilherme Gomes
Fernandes.
As ruas tinham no passado um rol
indeterminado de nomes que ajudavam a localizá-las, quer pela actividade económica
que lá se exercia: rua dos Mercadores, rua das Olarias; quer por um edifício
existente na rua, ou para onde ela se dirigia: rua de Santiago, largo de S.
Pedro, rua da Misericórdia, rua da Costa do Castelo; quer pelo nome de
individuo ou família popular ou importante: travessa do Luís Cardoso, rua dos
Trigueiros; quer pelo local a que davam acesso: rua que vai do Terreirinho para
trás do açougue; quer por alguma outra particularidade que ajudava a
distingui-la: rua das Flores, rua da Mancebia. Só muito depois é que se passou
a nomear as ruas e praças com carácter de homenagem a pessoas, datas e factos
que os diversos responsáveis municipais entendem merecer.
Assim, partindo de algumas ruas,
iremos referir a toponímia e apontar certas curiosidades relativamente aos seus
actuais patronos. Comecemos pelo largo Frei Eugénio Trigueiros e pelas ruas que
para lá vão confluir.
Este pequeno largo, de formato
triangular, é popularmente conhecido por largo do Grilo e, ao contrário do que
se poderia pensar, a sua existência é relativamente recente. Das notas de José
Eduardo César e Gama Leal ao livro de Madeira Torres, como também da consulta de
“Torres Vedras Antiga e Moderna” de Júlio Vieira, é possível concluir que só
depois de ser demolido, em 1886, o prédio da família Tavares - que fazia
esquina entre a rua dos Canos e a rua dos Polomes, e fechava a rua da Praça - é
que o largo foi aberto.
D. Frei Eugénio Trigueiros nasceu em Torres
Vedras na Paróquia de Santa Maria do Castelo onde foi baptizado a 16 de Janeiro
de 1684. Professou no convento dos agostinhos da Graça de Lisboa em 1702, foi
lente no convento de Évora tendo depois embarcado em 1720 para servir na India.
Foi sagrado Bispo de Macau em 1727 e em 1733 nomeado para suceder ao Arcebispo
de Goa. Faleceu a 19 de Abril de 1740 na viagem de Macau para Goa. Era filho de
João de Almeida Teles, meirinho da correição de Torres Vedras e de Doroteia
Trigueiros de Tavira filha de Mateus de Gouveia dos Reis, também ele meirinho
da correição em Alenquer e Torres Vedras e da sua primeira mulher Mécia
Trigueiros de Tavira.
Na próxima crónica de 13 de Maio
vamos dar continuidade ao tema da toponímia torriense, localizando as ruas Roque
Ferreira Lobo e Capitão Luiz Boto Pimentel e historiando um pouco da vida dos
seus respectivos patronos.
Texto
escrito segundo o antigo acordo ortográfico
................................................
alguns aspectos da Toponímia de Torres vedras
(2ª Parte)
joÃo Flores cunha
13 Maio 2016
Tomando como referência o Largo do Grilo, vamos partir de sul para norte
e seguir os números de polícia. Assim, temos a rua Roque Ferreira Lobo. Era a
antiga rua da Praça. Começa no largo do Município, que noutros tempos era
também a praça dos víveres. Na rua da Praça ficava o açougue do povo, onde se
abatia o gado e se vendia carne e peixe.
No princípio do século XX, estando já demolido o prédio das Tavares, (prédio
a que fizemos referência na crónica de 22 de Abril) foi dado o nome de
Guilherme Gomes Fernandes à rua que, principiando na praça do Município,
atravessava o largo do Grilo e terminava no largo dos Polomes. Só em 1947 é que
foi dado o nome de Roque Ferreira Lobo ao troço da rua Guilherme Gomes
Fernandes compreendido entre a praça do Município e o largo Frei Eugénio
Trigueiros.
Roque Ferreira Lobo nasceu em Torres
Vedras, paróquia de S. Pedro, a 26 de Maio de 1743. Filho de José Ferreira, natural
de Pernes e de Simoa Maria Xavier, neto paterno de António Ferreira e de Maria
Mendes, e materno de João Baptista Lobo e Maria Josefa. As suas origens
deveriam ser modestas, pois a mãe foi uma das dotadas, pelo casamento, da Santa
Casa da Misericórdia de Torres Vedras. No entanto, considerando os cargos
públicos que veio a ocupar, assim com os livros que publicou teve, por certo,
uma instrução de bom nível. Foi um dos administradores do Correio do Reino e
secretário do Senado da Câmara de Lisboa, deixando-nos algumas obras de cariz
literário, como “ Lições de um Pai a uma Filha”, de cariz histórico, como
“História da Feliz Aclamação do Senhor Rei D. João o Quarto” e traduções como “
Noites Campestres”. Foi contemporâneo, vizinho e amigo de Bocage, o que o não
livrou do desgosto de ver a sua filha em 1802 denunciar o poeta ao Santo
Ofício. Roque Ferreira Lobo faleceu em Lisboa em 1828.
Volteando o Largo do Grilo no sentido
dos ponteiros do relógio vamos encontrar a rua De Trás do Açougue. Vinda também
do lado sul, esta rua começa no entroncamento com a travessa Luís Cardoso e as
ruas dos Celeiros de Santa Maria e Açougue dos Clérigos.
Depois, descendo do poente, temos a
rua Capitão Luiz Boto Pimentel. É a antiga rua do Castelo ou da Costa do
Castelo. Teve também esta rua, que começa no largo Morais Sarmento, até 1947, o
nome de rua Mouzinho de Albuquerque, de que era uma parte.
Luís Boto Pimentel Côrte-Real ou Luís
Boto Pimentel Fernandes Côrte-Real de Menezes nasceu em Torres Vedras na
paróquia de S. Pedro onde foi baptizado a 6 de Setembro de 1684, era filho do
Capitão de Ordenanças João Boto Pimentel Côrte-Real e da sua segunda mulher
Micaela Moreira de Mendonça. Foi Capitão de Ordenanças, exerceu na Câmara
Municipal os cargos de Vereador, Procurador e Eleitor e na Santa Casa da
Misericórdia os de Provedor, Escrivão e Definidor. É dele um manuscrito de
1729, que se pensa ser a primeira monografia sobre Torres Vedras: “Livro de
Notícias Várias, Composto por um Vário Autor”. Faleceu em Torres Vedras em 26
de Maio de 1741.
Na próxima crónica vamos continuar a falar de toponímia localizando,
desta feita, as ruas Guilherme Gomes Fernandes e Mouzinho de Albuquerque, e historiando
alguns aspectos da vida dos seus patronos.
Texto
escrito segundo o antigo acordo ortográfico
..................................................
ALGUNS ASPECTOS DA Toponímia de Torres VEDRAS
(3ª Parte)
joÃo Flores cunha
3 Junho 2016
Na sequência da crónica de 13 de Maio, tomemos como referência ainda o
Largo do Grilo. Assim, caminhando para norte encontramos no fim do largo, à
esquerda, a travessa do Quebra-Costas. É um nome antigo que se encontra em
diversas localidades de Portugal. As ruas, becos e travessas com este nome têm
características em comum, pois são estreitas e de declive acentuado. Em frente
temos a rua Guilherme Gomes Fernandes que segue até ao largo da antiga caldeira
do Alfazema. Foi no século XVI conhecida por rua de Antão de Oliveira. É
provável que este Antão de Oliveira ali morasse e fosse o vedor das obras do
muro de Torres Vedras, que se realizaram no primeiro quartel do século XVI e
para as quais ele recebeu em 1519 cento e vinte cinco mil réis e em 1520
duzentos mil réis. Era a antiga rua dos Polomes, ou Pelomes, ou Pelames, como
vem grafada em diferentes textos. Seria a zona da curtimenta das peles,
aproveitando a proximidade do Sizandro e de outras pequenas linhas de água,
hoje inexistentes, mas que outrora, vindas do sul e nascente e correndo para o
rio, por ali perto passariam.
Guilherme Gomes Fernandes nasceu na
Baia em 1850. Foi muito jovem para o Porto e, sendo senhor de grande fortuna
funda, às suas custas, um Corpo de Bombeiros Voluntários. Foi instrutor e
inspector de bombeiros. Participou com forças sob o seu comando em diversos
concursos internacionais tendo, em 1900, em Paris, obtido o título de campeão
do mundo. É considerado o patrono dos Bombeiros Portugueses. Faleceu em Lisboa
em 1902 após uma intervenção cirúrgica.
Voltando atrás, seguindo agora de
norte para sul, fazendo esquina com a rua Roque Ferreira Lobo, completando a volta ao largo, temos,
à esquerda, a rua Mouzinho de Albuquerque, uma fracção da antiga rua dos Canos.
Principiava a antiga rua dos Canos no largo do chafariz dos Canos, agora
denominado Infante D. Henrique. Seguindo do chafariz para poente, temos logo à
esquerda a travessa de S. Pedro que ainda hoje mantém esse nome. Continuando em
frente encontramos à direita um caminho estreito - era azinhaga de detrás dos
Polomes e que, em tempos ainda mais remotos, como podemos ver no citado tombo
da Santa Casa da Misericórdia era conhecida por rua da Mancebia; tem hoje o
nome de travessa Madeira Torres. Terminava a rua dos Canos onde começava a rua
do Castelo. Apenas com o melhoramento da estrada real nº 61, já na segunda
metade do século XIX, é que foi aberta a rua que ficou conhecida como rua Nova
de S. Pedro e que é hoje o troço final da rua 9 de Abril e a rua Dias Neiva.
Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque
nasceu em Lisboa em 1792 e foi durante o segundo quartel do século XIX figura
de topo da cultura, ciência e política de Portugal. Militar de carreira,
liberal e setembrista, chegou a ministro do Reino, cargo equivalente hoje ao de
primeiro-ministro. Faleceu em Torres Vedras a 27 de Dezembro de 1846 devido aos
ferimentos sofridos a 22, durante a sangrenta batalha ocorrida nesta vila entre
as forças governamentais, comandadas pelo Duque de Saldanha e as forças
patuleia/setembristas da junta do Porto, comandadas pelo Conde do Bonfim. Está
sepultado na Igreja de S. Pedro.
Texto
escrito segundo o antigo acordo ortográfico
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